Copa das enganações: que os jogos comecem!

Já começou a largada para os grandes eventos esportivos sediados no Brasil até 2016. A presidente do Brasil Dilma Rousseff, ao lado do presidente da Fifa Joseph Blatter, declarou “oficialmente aberta a Copa das Confederações“, com uma voz mais embargada do que Jigsaw ordenando: let the game begin. Sob muitas vaias, Blatter não gostou da quebra de protocolo e pediu respeito e fair play, o que só aumentou a indignação (e as vaias).

As vaias, para mim, não foram dirigidas apenas a Dilma – apesar da semelhança ao que ocorreu com Lula na abertura dos jogos Pan-Americanos em 2007. O alvo parecia ser também a Federação Internacional de Futebol Associado (Fifa) e o seu representante ali presente, que, durante a Copa das Confederações e a Copa do Mundo, possui poder maior do que o de um simples presidente. A Fifa tem total controle dos espaços públicos do Brasil, desde as ruas e as instituições até os próprios governantes. A justiça chegou a proibir protestos durante a Copa das Confederações. Se o secretário geral da Fifa Jérôme Valcke queria feriado local no dia em que tivesse jogo, pedido (ou exigência?) aceito, o decreto-lei do nosso governante Fifa. E, como declarou Valcke, “o Brasil deve agradecer à Fifa por isso“. Como se fala por aqui: descarado!

Presidente da Fifa vira Poderoso Chefão em protestos na Suíça, em 2012. Foto: Denis Balibouse_Reuters

Presidente da Fifa vira Poderoso Chefão em protestos na Suíça, em 2012. Foto: Denis Balibouse_Reuters

Aliada à Fifa, a classe dominante tenta convencer a população mais pobre de que a Copa (das Confederações e a do Mundo) é de e para todos. Chegam a afirmar que o legal é ver o jogo da rua, não do estádio, afinal, “a rua é a maior arquibancada do Brasil“. Entoada pela banda O Rappa, a música (quase um hino) faz parte de um comercial da Fiat, que poderia parecer inofensiva se não fosse, no mínimo, irresponsável. Quem viu a primeira partida da Copa das Confederações pela TV Globo, percebeu que essa ideia foi endossada pelos apresentadores. As cidades que receberão os jogos da Copa foram mostradas com telões nas praças e com a população assistindo aos jogos no lugar que lhe foi especialmente reservado: a rua.

Recentemente, com as distinções que aqui não pretendo explorar, Tom Zé foi criticado por ter participado de uma campanha da Coca-Cola que transmite a ideia de que a Copa do Mundo (e a bebida) é de e para todo mundo. Na ocasião, alguns chamaram o cantor de vendido e hipócrita, enquanto outros defendiam o seu direito de faturar do modo como quiser. Não entrando nesse debate, é indiscutível que empresas como a Coca-Cola e a Fiat defendem o interesse de uma pequena porção da população. De arrepiar mesmo, apenas a montagem realizada entre a música de O Rappa e as manifestações do Movimento Passe Livre.

Manifestações em Belo Horizonte durante a Copa das Confederações. Foto: Eitan Abramovich_AFP

Manifestações em Belo Horizonte durante a Copa das Confederações. Foto: Eitan Abramovich_AFP

No Brasil, os operários que trabalham na construção dos estádios receberam ingressos para assistir aos jogos da Copa do Mundo. Não sei se as cortesias foram ampliadas para a Copa das Confederações. Em Recife, apenas um ingresso foi dado para cada operário. No entanto, não se costuma – ao menos no Brasil – ir a um jogo de futebol sozinho. E esses trabalhadores ou seus acompanhantes terão como comprar mais ingressos? Quanto aos jogos, não sei se os operários puderam escolher para qual irão.

Arrisco-me a dizer que quem ajudou a reerguer a Arena Fonte Nova, aqui em Salvador, prefere ver Brasil e Itália in loco, ao invés de Uruguai e Nigéria. Os operários que construíram o estádio Mané Garrincha, em Brasília, não ganharam ingresso para o jogo de abertura da Copa das Confederações, entre Brasil e Japão. No Rio Grande do Sul, houve trabalhadores que não conseguiram sequer ingresso para ver o amistoso de inauguração na Arena do Grêmio. Embora encontremos aqueles que gastem todo o seu dinheiro para ir aos jogos de seu time, em uma reportagem, um brasileiro reclamou que a venda de ingresso privilegiava aqueles que usavam computador e eram familiarizados com a tecnologia. O privilégio de classe vai para além do valor da entrada.

Comente!